Tribunal confirma natureza bilateral de acordo que parecia doação, envolvendo participações societárias e dividendos.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a validade de um contrato firmado entre mãe e filha que, embora utilizasse termos típicos de uma doação, tinha na verdade outra natureza jurídica. O caso envolvia participações societárias e a obrigação de repassar rendimentos: a mãe se comprometeu a transferir à filha, por oito anos, todos os dividendos e juros sobre capital próprio referentes a 50% das cotas de uma empresa.
Nua-propriedade e obrigações da filha
As cotas já pertenciam à filha (em relação à nua-propriedade), um direito em que a pessoa é dona do bem, mas não pode usufruir dele enquanto outro direito, no caso o usufruto, estiver vigente. Em contrapartida, a filha deveria cumprir os termos do acordo feito no inventário dos avós. A ação judicial foi movida pela mãe, que pedia a restituição dos valores repassados à filha, que havia falecido.
Decisão dos tribunais
Em primeira instância, o pedido da mãe foi aceito, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão, considerando o contrato válido e entendendo que a filha havia cumprido o que fora acordado. A mãe recorreu ao STJ alegando falhas na decisão e solicitando que o contrato fosse considerado uma doação.
Natureza do contrato
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que se tratava de um contrato atípico misto, ou seja, um acordo não previsto de forma específica na lei, mas que combina elementos de diferentes tipos de contrato, formando um negócio jurídico único. É como se as partes criassem um modelo sob medida para atender às suas necessidades, sem seguir exatamente um formato legal pronto.
Princípio da boa-fé e obrigações recíprocas
Segundo a ministra, a interpretação desse tipo de contrato deve considerar não apenas o que está escrito, mas também o princípio da boa-fé objetiva, que exige que as partes ajam com lealdade e confiança recíproca, cumprindo não apenas as obrigações documentadas, mas também aquelas que decorrem naturalmente do acordo. O contrato tinha natureza bilateral, pois criava obrigações para ambos os lados: a mãe precisava repassar os rendimentos e a filha respeitar os termos do inventário. Assim, não se tratou de uma doação pura, mas de um contrato com deveres recíprocos.