A exigência de procuração pública para determinados atos notariais, negócios jurídicos e demais atos da vida civil — a depender, em especial, de quem figurará como outorgante no instrumento do mandato — está disciplinada tanto no Código Civil quanto, no caso do Estado de São Paulo, nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (Tomo II).
A análise pode ser feita tanto de forma isolada quanto cumulativa, considerando os dois conjuntos normativos. E, para entender os critérios que exigem a forma pública, é necessário observar três aspectos principais:
- A forma do ato a que se destina a procuração;
- A vontade direta da lei;
- O aspecto subjetivo: quem será o outorgante do instrumento.
1. A forma do ato a que se destina a procuração
O artigo 657 do Código Civil estabelece que:
“A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.”
Em outras palavras, a procuração deve seguir a mesma forma exigida para o ato final. Se o ato exige escritura pública, a procuração também deverá ser pública. Já para atos que admitam a forma particular, a procuração poderá ser tanto particular quanto pública, pois, conforme o princípio de que “quem pode o mais, pode o menos”, a forma mais solene sempre atende à menos solene.
Jurisprudência:
No julgamento da Ap. Cível nº 4.268.434.800 do TJSP, relatado pelo Des. Francisco Loureiro, firmou-se o entendimento de que o mandato deve seguir a forma exigida em lei para o ato ao qual se destina. O mesmo foi decidido pelo Conselho Superior da Magistratura (Ap. Cív. 1011119-24.2017.8.26.0590, Rel. Geraldo Francisco Pinheiro Franco).
Nas NSCGJ-SP (Tomo II):
Item 131, Cap. XVI:
“A procuração outorgada para a prática de atos em que exigível o instrumento público também deve revestir a forma pública.”
Item 42, Cap. XVI:
“O Tabelião de Notas, antes da lavratura de quaisquer atos, deve conferir as procurações para verificar se obedecem à forma exigida, se contêm poderes de representação para a prática do ato notarial e se as qualificações das partes coincidem com as do ato a ser lavrado […].”
Exemplos práticos:
- Negócios imobiliários acima de 30 salários mínimos (art. 108, CC);
- Separação, divórcio ou inventário extrajudicial (Lei 11.441/2007).
Sobre este último, o item 107, Cap. XVI das Normas de SP, é claro:
Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais.
Importante ressalva:
Quando a forma pública do ato final não for exigência legal (isto é, quando se tratar apenas de uma faculdade), a procuração pode ser particular. É o caso da escritura pública de alienação fiduciária, que pode ser lavrada com base em procuração particular. Isso foi reconhecido no Processo nº 2018/83376 da CGJ-SP, com base na interpretação do art. 657 do CC e nas próprias NSCGJ.
2. A vontade direta da lei
Há hipóteses em que a exigência da procuração pública decorre de imposição direta da lei, independentemente da forma do ato. Um exemplo clássico é o casamento por procuração (art. 1.542, CC), que exige instrumento público. Por outro lado, a habilitação para o casamento admite representação por procuração particular (art. 1.525, CC).
Normas de SP (Provimento 58/89, Item 83, Cap. XVII):
- A procuração para casamento deve ser pública, conter poderes especiais, nome do futuro cônjuge e regime de bens.
- Prazo máximo: 90 dias.
- Se lavrada no exterior, deve ser legalizada, traduzida e registrada em RTD.
3. O sujeito que outorga a procuração
O terceiro aspecto é o perfil do outorgante, especialmente nos casos em que a lei exige a forma pública devido à sua condição pessoal: analfabetos, deficientes visuais, incapazes ou pessoas impossibilitadas de assinar (art. 654, CC).
A redação do artigo 654 pode causar confusão:
“Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular […]”
Contudo, essa disposição não invalida o artigo 657. A correta interpretação é que apenas pessoas capazes podem outorgar procuração por instrumento particular, mas não necessariamente em qualquer situação. Devem ser respeitadas as exigências da forma legal e da natureza do ato.
Jurisprudência ilustrativa:
Em ação de usucapião, foi considerada inválida a procuração particular outorgada por autora analfabeta, por ausência da forma pública (TJSP, Apelação Cível).
Normas de SP (Item 28, Cap. XIII):
- Quando a parte não puder assinar, outra pessoa capaz pode fazê-lo a seu rogo, com declaração no ato.
- As impressões digitais devem ser colhidas com coletores adequados, vedando-se o uso de carimbos.
Considerações finais
A exigência de instrumento público para a procuração não decorre apenas de uma formalidade excessiva, mas da necessidade de segurança jurídica e proteção das partes envolvidas, especialmente diante de atos que envolvam maior gravidade, solenidade ou risco.
A correta análise desses três aspectos, forma do ato, imposição legal e condição do outorgante, é fundamental para evitar nulidades e garantir a validade dos atos praticados por meio de mandato.